Pelo melhor aproveitamento dos recursos do Porto
METROBUS
Eis o artigo publicado no Público a 3/1/2024
Já agora, que tal carros nos túneis do Metro do Porto?
O Metrobus em construção no Porto é uma oportunidade para melhorar a mobilidade na cidade; mas, para tal, tem que ter uma via 100% exclusiva. Se não, é só uma dúzia de autocarros de luxo no pára-arranca.
O Metrobus do Porto é um sistema de transporte público em autocarros que irá ligar a Rotunda da Boavista e a Praça do Império / Rotunda da Anémona.
Trata-se dum investimento de 76 milhões de euros totalmente financiado a fundo perdido pelo PRR com base num estudo de procura e de viabilidade financeira que prevê que o Metrobus tenha uma via exclusiva (onde não podem circular carros) em toda a sua extensão.
Só assim se assegura a velocidade de circulação ("média de 25 km/h, com tempo de paragem nas estações de 33 segundos") que cumpre os prometidos 12 minutos entre Boavista e Império.
Só assim o Metrobus irá mudar a mobilidade da zona Ocidental da cidade do Porto, cumprindo horários e frequências como o Metro faz e desviando pelo menos 3,7 milhões de viagens de automóvel por ano para um veículo rápido e confortável.
Porém, por decisão política, na Avenida Marechal Gomes da Costa o Metrobus não terá uma via exclusiva.
A sério?!? Então o Metrobus não será um Metrobus?
São certamente compreensíveis as motivações de quem fez pressão para que não fossem retiradas faixas para automóveis, suprimidos lugares de estacionamento ou reduzido o relvado central da Avenida. Não tendo havido nenhum movimento de massas, as vozes que chegaram aos decisores terão sido de moradores da zona e da Foz, a elite sócio-económica da cidade.
Como é que estes interesses particulares prevalecem sobre o objetivo da neutralidade carbónica que a CMP quer antecipar para 2030? Segundo os censos, em 2021, 53,5 % da população do Porto deslocava-se regularmente de carro, 2 p.p. acima de 2011 e 6 p.p. acima de Lisboa; no mesmo período, a fatia dos portuenses que utiliza transporte coletivo desceu 4 p.p.para 22,4 %. Ou seja, temos estado a caminhar no sentido errado.
Como evitar o desperdício de tantos recursos numa dúzia de autocarros que aceleram numa parte do trajeto para na outra ficarem a atrasar-se no pára-arranca? Será que não somos capazes de reduzir o espaço para o automóvel nem quando passamos a ter uma alternativa fiável de transporte coletivo?
Perante a evidente contradição entre o nome da coisa e a própria coisa, os responsáveis políticos e técnicos têm tido abordagens criativas:
A 23 de Março de 2022, o presidente da CMPorto, Rui Moreira, afirmou poeticamente que o Metrobus vai "conviver com os automóveis" na Marechal.
Na apresentação pública do projeto, a 30 de Janeiro de 2023, arriscou declarar que "não faria sentido deixar sem uso as vias do metrobus nos 10 minutos entre a sua passagem", mas que a via estará marcada no chão como "do Metrobus", ainda que qualquer automóvel a possa usar.
Na mesma ocasião, o presidente da Metro do Porto, Tiago Braga, professou a sua fé dizendo que "espera que os automobilistas evitem a via (não exclusiva) na Marechal para contribuírem para o êxito do transporte público".
Porém, em entrevista ao ECO a 11 de Março, recuou quase até ao cepticismo: “Se verificarmos, em conjunto com a câmara municipal e a STCP, que a operação (do Metrobus) está a ser prejudicada, rapidamente conseguiremos colocar mais área segregada para beneficiar o funcionamento do sistema."
O financiamento do Metrobus pelo PRR foi feito no pressuposto que o Metrobus seria um Metrobus. Que consequências terá neste e noutros projetos pagos pela UE caso o Porto não cumpra aquilo com que se comprometeu?
Por todos os motivos, seria trágico para o Porto fazermos do Metrobus uma caricatura dum transporte público de qualidade, que é o que todos os especialistas sabem que aconteceria. Não bastam proclamações bem intencionadas do Município como o Pacto do Porto para o Clima, é preciso agir.
É este o momento para criarmos a via dedicada em toda a extensão do Metrobus, desde o primeiro dia da sua operação.
Ou então, se é para não deixar sem uso as infraestruturas quando não estão a passar os veículos, assumirmos uma inovação à moda do Porto e aplicar essa lógica ao Metro, colocando carros a circular no túnel entre a Trindade e Campanhã, obviamente apenas "nos minutos entre a sua passagem". E, correndo bem, fazermos o mesmo na Linha de Leixões, no Ramal da Alfândega e até exportar a ideia mundo fora.
É agora, Porto!
Nota: Metrobus é o nome português para BRT (Bus Rapid Transit). A sua caraterística essencial é ter uma faixa de rodagem exclusiva, como o Metro e o Comboio. É também desejável o autocarro ter prioridade nos cruzamentos, o seu alinhamento ao centro da via, e a existência de estações niveladas com o piso dos veículos.